sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Um Menino entre os mestres (Lc 2,41-52) - Edmilson Schinelo


A narrativa da perda e do encontro do menino Jesus no templo (Lc 2,41-52) faz parte dos chamados "evangelhos da infância". Presentes nos livros de Mateus e de Lucas, esses relatos são escritos mais tardios, ainda que recolham tradições antigas. Como numa casa, em que a porta não é a primeira parte a ser construída, muito provavelmente foram a última parte a ser escrita. Hoje, os "evangelhos da infância" constituem os dois primeiros capítulos tanto de Mateus como de Lucas.

Mateus concentra as narrativas na pessoa de José e busca mostrar que Jesus, em paralelo com Moisés, é o verdadeiro libertador do novo e definitivo êxodo. Por isso, apresenta um menino tendo que ser salvo de um novo faraó (Herodes) e lembra as palavras de Oséias: "Do Egito chamei o meu filho" (Os 11,1).  Como exilado político, Jesus também faz a caminhada libertadora de seu povo e vem realizar a libertação plena de tudo o que oprime e diminui a vida.
Lucas, por sua vez, além de centrar mais a narrativa na figura de Maria, traça um paralelo entre a figura de Jesus e a de João Batista. Enquanto em Mateus são os sábios do Oriente quem visita Jesus (representando as nações que chegam para homenagear a criança recém-nascida), em Lucas os primeiros a visitar Jesus são os pastores, que deixam maravilhadas a todas as pessoas que escutam o seu anúncio. Também, de acordo com a narrativa de Lucas, Jesus nunca foi ao Egito: Terminando de fazer tudo conforme a lei do Senhor, voltaram à Galileia, para Nazaré, a sua cidade (Lc 2,39). São jeitos diferentes de misturar tradição e teologia. E a beleza dessas narrativas está, justamente, em buscar o seu significado teológico mais profundo, o seu sentido de vida. E isso não se alcança ficando preso nas figuras. Porém, olhando para além das imagens.

A antecipação da Páscoa definitiva
Lucas inicia a narrativa, afirmando que os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa (Lc 2,41). Na história do povo de Israel, por vários séculos, esta festa era uma celebração doméstica, um momento de memória coletiva do povo, mas também de fortalecimento de vínculos familiares. Entretanto, o rei Josias (640-609 a.C.) determinou que a festa deveria ser celebrada de forma centralizada em Jerusalém, a capital (2Rs 23,21-23). Com essa medida, ele conseguiu concentrar poder através do controle do culto praticado no templo, que ficava em Jerusalém. Houve muita resistência, mas a medida do rei Josias foi imposta pela força bruta.
Para Lucas, os pais de Jesus seguem essa tradição, inclusive quando ele completa doze anos (Lc 2,42). Terminada a festa, eles começam a viagem de volta, sem notar que o menino não está na caravana. Depois de andarem um dia inteiro, percebem a sua falta e começam a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. Como não o encontram, retornam a Jerusalém (Lc 2,43-44).
O menino é encontrado depois de três dias (Lc 2,46), como que numa prefiguração da sua própria Páscoa: depois de três dias ele ressuscita. Além disso, a comunidade de Lucas escreve já conhecedora da filiação divina de Jesus. Por isso, registra desta forma a resposta do menino: Não sabíeis que devo estar na casa de meu pai? (Lc 2,49). A frase não é de tradução muito simples e não fala literalmente de casa. Podemos também traduzi-la assim: "Não sabíeis que devo estar com (as coisas de) meu pai?".

Um menino entre os "mestres"
Os pais de Jesus o encontram "sentado em meio aos mestres" (Lc 2,46). A palavra utilizada por Lucas, normalmente traduzida por "doutores", é didaskalos (de onde vemdidática, em português). É o mesmo termo empregado mais tarde para referir-se a Jesus: Não perturbes mais o mestre (Lc 8,49). Na narrativa da Páscoa, o próprio Jesus teria usado o termo para falar de si: Direis ao dono da casa: "o mestre te pergunta: onde está a sala em que comerei a Páscoa com meus discípulos?" (Lc 22,11).
Jesus está, portanto, conversando com os mestres do seu povo. De acordo com o texto, a primeira coisa que ele faz é escutar. Como toda criança, ele escuta e pergunta. E como toda criança, é inteligente nas respostas. É possível imaginar a cena de várias formas, inclusive com outras crianças juntas, também escutando, perguntando e respondendo. Como as crianças da época, Jesus ensina e aprende. Se assim não fosse, não teria mais como crescer em sabedoria (Lc 1,52). Quem sabe tudo ou acha que sabe tudo, não tem mais como crescer.
O texto faz questão de ressaltar que as respostas de Jesus chamam a atenção, deixam as pessoas extasiadas! Como, ainda hoje, muita gente diz: "Mas que criança inteligente!". Como dissemos, a comunidade de Lucas escreve muito tempo depois, já conhecedora da divindade de Jesus. E consegue preservar no texto duas dimensões: um menino que não é nada comum (é o próprio filho de Deus) e que, ao mesmo tempo, cresce e aprende, como toda criança. Cresce, inclusive, em graça, em sua comunhão com o Pai, amadurecendo a sua missão a serviço do reinado de Deus. E nesse processo, também ensina. Como também nos ensinam as crianças de hoje.

Pais aflitos e desesperados
Impossível não perceber, na narrativa, a aflição e o desespero dos pais. Só quem teve um filho desaparecido consegue dimensionar a dor. Noites e dias de procura interminável! Angústia, lágrimas e cansaço. E quando a criança é localizada, surpresa, alívio e desabafo, expressos pelas palavras da mãe: Filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te procurávamos! (Lc 2,48).
Trata-se, no caso da narrativa de Lucas, de uma história de final feliz. Não é esse o caso da experiência de milhares ou até milhões de mães e pais pelo Brasil afora. Crianças que se perdem nas grandes cidades, crianças separadas de seus pais em situações de guerra e tantas outras condições.
Não podemos deixar de ter presente essa dor! Nossa solidariedade tem que ser maior. Como também deve ser maior o nosso esforço para que tais situações sejam menos frequentes. Especialmente no caso das guerras, nossas lutas pacifistas precisam ser intensificadas. Em não sendo assim, não estaremos vivendo o espírito natalino: um menino nos foi dado para que toda marca de guerra, toda bota de soldado e todo uniforme militar manchado de sangue sejam queimados (Is 9,4).

Guardar os fatos no coração
A narrativa de Lucas termina reafirmando que o menino crescia em sabedoria, em estatura e graça, diante de Deus e diante das pessoas (a mesma frase já havia sido dita referindo-se ao menino Samuel, filho de Ana - 1Sm 2,26). Reafirma também que a mãe de Jesus guardava todos esses fatos (literalmente, essas palavras) no seu coração (Lc 2,51-52). É terceira vez que a frase aparece nos dois primeiros capítulos de Lucas (ver também Lc 1,69 e Lc 2,19).
Guardar os fatos no coração é mais do que ter boas lembranças. É manter viva a memória e a história, para que as coisas ruins não se repitam e para que os bons ensinamentos permaneçam e produzam frutos. É atitude, é saudade ativa. Que assim possamos também nós sentir e agir!

Edmilson Schinelo é assessor do CEBI e colaborador nos livros Bíblia e Negritude eLeitura Bíblica: a juventude mostra o caminho.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Mistério e encarnação: corpos em movimento (Tea Frigerio)






Tea Frigerio é de Belém (PA). É colaboradora na série Curso Popular de Bíblia  e autora do livro Construir a Solidariedade a partir do Livro de Rute.



Natal nos coloca no âmago do mistério da Encarnação.
A Divindade que se torna Humanidade.
Humanidade-Criança.
Este o Mistério!
Este o Natal
Esta a Realidade!
Mistério é linguagem.
Linguagem que fala, podemos ouvir e ler.
Então vamos ouvir e ler.
Primeiro, porem vamos ser humanas, ser corpo, nos olhar, nos ouvir, nos cheirar, nos tocar...
Encarnação: a Palavra se faz carne!
Encarnação é assumir uma carne, assumir um corpo.
Fala de corpos que se gostam no amor se unem, se curtem dois numa carne só, e a vida acontece.
Um corpo fica grávido, gestante, dá à luz.
Criança, nova vida.
É movimento, encontro, acolhida, dar espaço, conviver, criar laços, deixar partir, não mais uma carne só, duas carnes, duas vidas.
Movimento de três corpos: homem-mulher-criança.
Natal é movimento.
Movimento profundamente Divino-Humano.
Movimento-caminho para-nos encontrar, para se colocar a caminho conosco.
Corpo divino-humano em movimento.
Corpos que se movimentam.
Zacarias o insucesso o deixou mudo.
Volta, caminha para casa, caminha para Isabel.
Outro caminhar, um encontro amoroso diferente.
A que era estéril se torna fecunda.
Uma criança em seu ventre, a palavra na sua boca.
Dá nome ao filho.
Movimento que restitui a palavra ao esposo Zacarias.
Isabel e Zacarias, caminho que levou à circularidade.
Mulheres grávidas em movimento.
Encontro de idades, Maria, Isabel, conversa, segredos, cumplicidade, ousadia, rebeldia, sororidade, e no ventre movimento, os filhos pulam de alegria anunciado o novo.
Novidade é perigosa!
O poder quer ser dono do caminho, do movimento, quer contar, quer controlar, quer tributar. José, Maria, burrinho, lá vão, em caminho, em movimento a profecia a cumprir, Belém, a casa do pão, manjedoura não de pão, berço da criança-deus.
Luminosidade, anjos e anjas, estrelas, movimentos brilhosos convidam a se movimentar, a caminhar, seguir o pulsar das estrelas, das vozes que convidam: Num casebre, uma mulher, com seu esposo, um recém-nascido precisando de tudo. O recém-nascido abandonou tudo para vir ao nosso encontro, para nos encontrar, precisa de nós...
Então vamos! Então foram!
Então vamos... ... Como foram os Sábios caminhando com a estrela, aventurando, arriscando, desencontrando e encontrando. ... Peregrinado como peregrinou Simeão, que ao ver os três no Templo, os corpos fazendo o rito, reconheceu, este movimento não é do templo é da Casa, da manjedoura. Encontrei, meu peregrinar findou. ... Como Ana, profetiza de quem não ouvimos a voz. Se profeta é sem dúvida se movimentou, caminhou e anunciou: esta é a Boa Nova: Deus é Criança, Criança é Deus.
Deus-Criança, que mistério é este? Deus deve ser forte, onipotente, todo-poderoso.
Criança é Deus, que mistério é este? Criança é fragilidade, dependência, necessidade, pequenez, abandono, entrega, confiança.
Natal é tudo isso! Deus é Criança, Criança é Deus movimento para nos encontrar. Criança é Deus, Deus é Criança que se abandonou em confiança radical no ventre, nos braços, nos seios de Maria; confiança radical em José, ele cuidaria de tudo! Confiança radical na humanidade, em nós!
Natal, Mistério, linguagem, escutamos, vemos?
O que esperamos a nos colocar em movimento, a caminho!


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012


E encheu de bens os famintos... (Lucas 1, 39-56)

Quarta-feira, 19 de dezembro de 2012 - 14h03min
por Ildo Bohn Gass - Formação CEBI
Para muitas igrejas, a Palavra evangélica proposta para a liturgia do próximo final de semana é a visita de Maria a Isabel (Lucas 1,39-56), que faz parte dos relatos da Infância de Jesus segundo Lucas (Lucas 1-2). Essas narrativas, mais do que dizerem como os fatos aconteceram, indicam para realidades mais profundas que iluminem a caminhada das comunidades a quem se destinam. Em resumo, o primeiro capítulo do Evangelho da Infância mostra como é reconhecida a ação de Deus em meio ao povo excluído, mas cheio de esperança, representado por Zacarias, Isabel e Maria. Dois eram idosos, uma era estéril e a outra ainda não havia tido relações sexuais com homem. Portanto, eram pessoas de quem não se esperava que pudesse nascer vida nova, que pudessem dar à luz uma criança.
A narrativa proposta pode ser dividida em três momentos. O primeiro descreve a ida de Maria à casa de Isabel e de Zacarias, próxima de Jerusalém (Lucas 1,39-41), uma caminhada de mais de 100 km. De um lado, essa saída de casa faz-nos lembrar de tantas jovens que também precisam deixar seus povoados quando engravidam, a fim de encontrar apoio em familiares que moram distante. De outro lado, quando foi chamada para ser a mãe do Messias, Maria havia se disponibilizado para estar a serviço da Palavra de Deus (Lucas 1,38). Agora, ela já está a caminho para servir, para ser solidária com outra mulher, também grávida. É a solidariedade entre as mães que reconhecem em seus corpos o agir do Espírito divino, pois ambas receberam a graça da fecundidade de forma misteriosa. Mas não é somente o encontro de duas mulheres. É também o encontro de duas crianças ainda no útero de suas mães. É o encontro do Precursor com o Salvador. João alegra-se com a visita de Jesus (Lucas 1,41). Ainda no ventre materno, já aponta para seu primo como aquele que vem socorrer o seu povo num momento de forte repressão do império romano.
A segunda parte desta narrativa é a saudação que Isabel faz a Maria (Lucas 1,42-45). Impulsionada pelo Espírito, a mãe de João Batista reconhece Maria como a mãe do Messias. Ao mesmo tempo em que elogia a sua fé (Lucas 1,45), a declara abençoada, bem-aventurada, assim como o fruto do seu ventre (Lucas 1,42). Essa saudação faz lembrar outras mulheres que também foram chamadas de benditas. São os casos de Jael (Juízes 5,24) e de Judite (Judite 13,18), ambas libertadoras de seu povo ameaçado por exércitos poderosos. Em Lucas 1,56, podemos ler que Maria ficou três meses com Isabel. Mais uma vez, os autores do texto fazem memória das Escrituras de Israel e querem nos apresentar Maria como a nova Arca da Aliança, pois em seu útero carrega o Emanuel, o Deus que está em nosso meio. É que, da mesma forma como Maria ficou os três meses com Isabel, também a antiga Arca da Aliança havia ficado durante três meses na casa de Obed-Edom (2 Samuel 6,2-11; cf. v. 11). Em outras palavras: os representantes da antiga Aliança, Zacarias (Javé se lembrou) e Isabel (Deus é plenitude), reconhecem a ação de Deus em Maria (a amada) e Jesus (Javé salva), representantes da nova Aliança. João (Javé é misericórdia) anuncia que a misericórdia de Deus na antiga Aliança vem se realizar plenamente em Jesus de Nazaré. Por isso, seus pulos de alegria no ventre de Isabel (Lucas 1,41.44), acolhendo o novo que está por nascer.
A terceira parte do relato é a reação de Maria à saudação de Isabel, é o cântico de Maria conhecido como Magnificat (Lucas 1,46-55). Ele está recheado de memórias da história de Israel, especialmente do canto de Ana, a mãe do profeta Samuel (1 Samuel 2,1-10). Entre outros textos, recorda também a profecia de Sofonias em favor dos pobres de Javé, o resto fiel a Deus (cf. Sofonias 2,3; 3,11-13).
Maria é a legítima representante de todos os pobres que têm esperança. Da mesma forma como o profeta Habacuc (Hab 3,18), ela percebe a presença de Deus e se alegra com sua grandeza (Lucas 1,46-47). E o motivo dessa alegria é que, tal como na experiência libertadora do Êxodo (Êxodo 3,7-8), Deus viu a humilhação dos pobres e exerce sua misericórdia para com eles, estando a seu lado para libertá-los (Lucas 1,49-50; Salmo 103,17).
Qual é a força capaz de promover essa libertação? É a força do braço de Deus, isto é, a força de sua justiça, que consiste e um projeto revolucionário que subverte relações desiguais. Se antes os poderosos humilhavam os pobres a partir de seus tronos, agora os famintos são exaltados e comem pão com fartura (Lucas 1,51-53). Mais que ser uma mulher submissa e alienada dos conflitos sociais de seu tempo, Maria é uma mulher de luta pela igualdade e pela superação de todas as injustiças. Ela é subversiva porque subverte as relações de humilhação propondo a acolhida e a igualdade. Não é por acaso que seu filho seguiu os passos dela nesse caminho. É no engajamento pela superação de todas as formas de opressão que revelamos a misericórdia divina em nossa prática. A justiça de Deus se revela em seu agir na defesa dos fracos e contra todos os sistemas que os oprimem, sejam eles políticos ou econômicos, culturais ou religiosos. Nesse agir libertador se manifesta a aliança fiel e misericordiosa esperada desde as origens do povo hebreu (Lucas 1,54-55; Miqueias 7,20).
O Magnificat celebra a esperança na realização da vontade de Deus que liberta. E mais. Convida a todas as pessoas discípulas de Jesus a nos juntarmos a Maria para colocar-nos a serviço desse projeto de Deus, de modo que também em nós se realize a sua Palavra (cf. Lucas 1,38). A ação divina em Maria foi possível por que ela acreditou (Lucas 1,45), ela deu a sua contribuição, colocando-se a serviço de Deus na solidariedade. Mais adiante, quando uma mulher também declarara Maria feliz, Jesus dirá a ela que "felizes, sobretudo, são os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática" (cf. Lucas 11,27-28). E essa bem-aventurança soa forte para nós ainda hoje.

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Aprofunde a reflexão sobre O Magnificat com o livro "O CANTICO DA BEM-AVENTURADA", de Maria das Graças Vieira. Coleção A Palavra na Vida/268.  
Exegese e interpretação do cântico de Maria em Lucas 1,46-55 na perspectiva da libertação que se atualiza cada vez que o pão é partilhado, a justiça se realiza e o pobre encontra-se com o deus-libertador.

A visita de Maria a Isabel - Alegria no Espírito! (Lc 1,39-56)

Quarta-feira, 19 de dezembro de 2012 - 16h12min
por CEBI Publicações
A VISITA DE MARIA A ISABEL
ALEGRIA NO ESPÍRITO
Lucas 1, 39-56

Texto extraído do livro O AVESSO É O LADO CERTO. Círculos Bíblicos sobre o Evangelho de Lucas de autoria de Carlos Mesters e Mercedes Lopes.
 Mais informações com vendas@cebi.org.br

O ASSUNTO DA VIDA: PARA COMEÇO DE CONVERSA
O texto de hoje nos fala da visita de Maria a sua prima Isabel. As duas eram conhecidas uma da outra. E, no entanto, neste encontro elas descobrem, uma na outra, o mistério que ainda não conheciam e que as encheu de muita alegria. Hoje também encontramos pessoas que nos surpreendem com a sabedoria que possuem e com o testemunho de fé que nos dão.

CHAVE DE LEITURA
Na leitura que vamos refletir, sobretudo no Cântico de Maria, percebemos que ela descobriu o mistério de Deus não só na pessoa de Isabel, mas também na história do seu povo. Durante a reflexão vamos prestar atenção no seguinte: ''Com que palavras e comparações Maria expressou a descoberta de que Deus está presente em sua vida e na vida do seu povo?''

SITUANDO
Quando Lucas fala de Maria, ele pensa nas comunidades do seu tempo que viviam espalhadas pelas cidades do império romano. Maria é, para ele, o modelo da comunidade fiel. Descrevendo a visita de Maria a Isabel, ele ensina como aquelas comunidades devem fazer para transformar a visita de Deus em serviço aos irmãos e irmãs.
O episódio da visita de Maria a Isabel mostra ainda outro aspecto bem próprio de Lucas. Todas as palavras e atitudes, sobretudo o Cântico de Maria, formam uma grande celebração de louvor. Parece a descrição de uma solene liturgia. Assim, Lucas evoca o ambiente litúrgico e celebrativo, em que as comunidades devem viver a sua fé.

COMENTANDO
1. Lucas 1,39-40: Maria sai para visitar Isabel
Lucas acentua a prontidão de Maria em atender as exigências da Palavra de Deus. O anjo lhe falou da gravidez de Isabel e, imediatamente, Maria se levanta para verificar o que o anjo lhe tinha anunciado, e sai de casa para ir ajudar a uma pessoa necessitada. De Nazaré até as montanhas de Judá são mais de 100 quilômetros! Não havia ônibus nem trem.
2. Lucas 1,41-44: Saudação de Isabel
Isabel representa o Antigo Testamento que termina. Maria, o Novo que começa. O AT acolhe o NT com gratidão e confiança, reconhecendo nele o dom gratuito de Deus que vem realizar e completar toda a expectativa do povo. No encontro entre as duas mulheres manifesta-se o dom do Espírito que faz a criança estremecer de alegria no seio de Isabel.  A Boa Nova de Deus revela a sua presença numa das coisas mais comuns da vida humana: duas donas de casa se visitando para se ajudar. Visita, alegria, gravidez, criança, ajuda mútua, casa, família: É nisto que Lucas quer que as comunidades (e nós todos) percebamos e descubramos a presença do Reino. As palavras de Isabel, até hoje, fazem parte do salmo mais conhecido e mais rezado da América Latina, que é a Ave Maria.
3. Lucas 1,45: O elogio que Isabel faz a Maria
"Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor vai acontecer". É o recado de Lucas às comunidades: crer na Palavra de Deus, pois ela tem força para realizar aquilo que nos diz. É Palavra criadora. Gera vida nova no seio de uma virgem, o seio do povo pobre e abandonado que a acolhe com fé.

4. Lucas 1,46-56: O Cântico de Maria
Muito provavelmente, este cântico já era conhecido e cantado nas comunidades. Ele ensina como se deve rezar e cantar.
Lucas 1,46-50
Maria começa proclamando a mudança que aconteceu na sua própria vida sob o olhar amoroso de Deus, cheio de  misericórdia. Por isso, ela canta feliz: "Exulto de alegria em Deus, meu Salvador".
Lucas 1,51-53
Em seguida, canta a fidelidade de Javé para com seu povo e proclama a mudança que o braço de Javé estava realizando a favor dos pobres e famintos. A expressão "braço de Deus" lembra a libertação do Êxodo. É esta força salvadora de Javé que faz acontecer a mudança: dispersa os orgulhosos (1,51), destrona os poderosos e eleva os humildes (1,52), manda os ricos embora sem nada e aos famintos enche de bens (1,53).
Lucas 1,54-55
No fim, ela lembra que tudo isto é expressão da misericórdia de Deus para com o seu povo e expressão de sua fidelidade às promessas feitas a Abraão. A Boa Nova veio não como recompensa pela observância da Lei, mas como expressão da bondade e da fidelidade de Deus às promessas. É o que Paulo ensinava nas cartas aos Gálatas e aos Romanos.

ALARGANDO
O Segundo Livro de Samuel conta a história da Arca da Aliança. Davi quis colocá-la em sua casa, mas ficou com medo e disse: "Como virá a Arca de Javé para ficar na minha casa?" (2 Samuel 6,9) Davi mandou que a Arca fosse para a casa de Obed-Edom. "E a Arca de Javé ficou três meses na casa de Obed-Edom, e Javé abençoou a Obed-Edom e a toda a sua família" (2 Samuel 6,11). Maria, grávida de Jesus, é como a Arca da Aliança que, no AT, visitava as casas das pessoas trazendo benefícios. Ela vai para a casa de Isabel e fica lá três meses. E enquanto está na casa de Isabel, ela e toda a sua família são abençoadas por Deus. A comunidade deve ser como a Nova Aliança. Visitando a casa das pessoas, deve trazer benefícios e graça de Deus para o povo.
A atitude de Maria frente à Palavra expressa o ideal que Lucas quer comunicar às comunidades: não fechar-se sobre si mesmas, mas sair de si, sair de casa, e estar atentas às necessidades bem concretas das pessoas e procurar ajuda na medida das necessidades.

Vinde Senhor Jesus! (Lucas 1,39-45) Marcel Domergue

Quarta-feira, 19 de dezembro de 2012 - 16h19min
por Instituto Humanitas Unisinos (IHU)
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Sacrifícios
Ficamos felizes por ouvir Deus dizer que não deseja os nossos sacrifícios (citação do Sl 40 na 2ª leitura). No Salmo 50 (7-14), ouvimos Deus declarar que não come a carne dos touros e que todos os animais da terra lhe pertencem. O antropólogo René Girard explica que, divididos por suas invejas e cobiças, os homens, para se reconciliarem, tomam uma vítima supostamente carregada de todas as violências do povo e que, sendo imolada, ela leva embora a violência toda cometida, tornando-se sagrada desde então. Diversos outros elementos se conjugam a esta perspectiva. Trata-se também de satisfazer e, portanto, de apaziguar a cólera de um Deus ultrajado. Acrescente-se, no caso de Israel, a vontade de instituir-se um rito que signifique que todas as riquezas naturais que nos alimentam nos são dadas por Deus.
Todos estes aspectos do sacrifício foram aplicados ao Cristo, mas valem apenas a título de metáforas. A Epístola aos Hebreus, frequentemente mal interpretada, explica que, com o Cristo, tudo o que se refere ao sacrifício muda de sentido. Em primeiro lugar, não se trata mais de oferecer alguma coisa, mas sim de oferecer-se a si próprio, de reconhecer que pertencemos à nossa origem, Deus. Além disso, não se trata mais de “o Pai acalmar o seu furor”, mas de amar até o fim, até o fim de si mesmo. Donde se conclui que o termo “sacrifício” é cheio de ambiguidades e que só podemos usá-lo com muitas precauções.
O verdadeiro sacrifício
No Antigo Testamento, é com muito trabalho que, aos poucos, este “sacrifício” vai perdendo o seu sentido arcaico para se tornar “sacrifício de louvor”. O Salmo 50 conclui assim os versículos sobre a recusa de Deus aos holocaustos: “quem por sacrifício me oferece a ação de graças, este me glorifica”. Deus dá, nós recebemos. O reconhecimento, portanto, é o verdadeiro sacrifício. Santo Agostinho escreve que “o verdadeiro sacrifício é toda a boa ação pela qual nos fazemos um só com Deus, em comunhão de amor”. Vê-se logo, portanto, que não se trata de causar sofrimento contra si mesmo nem despojar-se de qualquer coisa a não ser por amor; não se trata mais de comprar a boa vontade divina por algum mérito qualquer; nem tampouco de pagar um preço pelos nossos pecados. Tudo isto já nos foi dado e é por isso que o único sacrifício é a ação de graças.
Não é este o sacramento central da vida cristã? O sinal maior pelo qual significamos para nós e para os outros a obra de Deus entre nós? A Eucaristia, quer dizer, a Ação de Graças? Se tudo para nós se recapitula neste reconhecimento, se este reconhecimento, este agradecimento é a nossa atitude normal e constante para com Deus, se é este o conteúdo privilegiado de nossa oração, é porque é a expressão maior de um duplo movimento que exprime toda a nossa relação para com Deus: o nosso desejo por Ele e o dom de Si Próprio que Ele nos faz.
Maria e Isabel
O que encontramos no evangelho de hoje? Este jorrar de reconhecimento brotado desde o ventre de Isabel e a explosão do reconhecimento de Maria. Uma dupla ação de graças. É este o autêntico sacrifício. É duplo. Era preciso que se alegrassem juntas a mãe do Senhor e a mãe do servidor. A esta passagem do evangelho chamamos “visitação”. Além da visita que faz Maria a Isabel, temos também a visita de Deus. Estas duas mulheres representam a humanidade em seu acolhimento de Deus. Não vamos esquecer que nossa vida, toda a vida, depende deste acolhimento. Exatamente por isso, o nascimento é a razão da ação de graças destas duas mulheres.
Por que das mulheres? Temos também, com certeza, a ação de graças de Zacarias, o pai de João Batista; mas a mulher, nesta cultura, é o símbolo da abertura e do acolhimento. E, também, da vida: “Eva” significa “mãe dos viventes”. A gratidão das duas mulheres representa o reconhecimento de todos os que, desde o início da Bíblia, viveram a história da vinda de Deus aos homens: o texto da visitação é um tecido de referências ao Antigo Testamento, sobretudo o Magnificat (ausente de nossa leitura). O “sim” de Maria no “cumprimento das palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor” nos faz repensar a passagem já citada do Salmo 40, retomada na segunda leitura: “Eu vim para fazer a tua vontade.”
Ampliar imagemAprofunde a reflexão sobre O Magnificat com o livro "O CANTICO DA BEM-AVENTURADA", de Maria das Graças Vieira. Coleção A Palavra na Vida/268.  
Exegese e interpretação do cântico de Maria em Lucas 1,46-55 na perspectiva da libertação que se atualiza cada vez que o pão é partilhado, a justiça se realiza e o pobre encontra-se com o deus-libertador.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012


Oração de Benção para o Advento

Quarta-feira, 28 de novembro de 2012 - 6h49min
por Red de Liturgia CLAI
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Abençoa-nos, Senhor, para que não nos instalemos no frio vazio do comodismo e da indiferença.
Que neste Natal, Senhor, nos reunamos em família e em comunidade, dispostos ao compromisso da mudança, à entrega do perdão, à fecundidade do amor.
Abençoa, Senhor, os esforços de todas as pessoas que vivem neste país, as que regam os sulcos da terra com sangue e suor, as  que estudam, as que investigam, as que constroem, as que educam, as que trabalham por um mundo melhor.

Abençoa, Senhor, de maneira especial,  a todos aqueles irmãos que estão desempregados, os doentes, os solitários, aqueles que não têm esperança:

Para que encontrem em nós, seus irmãos e irmãs,  Tua Presença que anima e acompanha.

Que Maria e José, depois de ter atravessado as estradas áridas e poeirentas, batam e encontrem em nossos corações um lugar quente e fértil onde possa nascer o teu Filho Jesus.

E que sua presença em nossas vidas nos anime como filhos, família, comunidade e povo, para tornar realidade teu Projeto de Amor, Justiça, Liberdade e Igualdade.

Amém.

(Noni Barros, da Capela  Santa Rita, Paróquia San Antonio, Posadas Misiones, Argentina)

O que era noite - Zé Vicente

Terça-feira, 27 de novembro de 2012 - 23h54min
por IHU
O que era noite tornou-se dia,
O que era treva resplandeceu!
O que era morte tornou-se vida
Porque há um Deus que hoje nasceu!


Sobre a terra pesa a noite
Sobre os pobres pesa a opressão
Sobre os braços dos pequeninos
Jesus, Deus menino, traz a redenção!...

Caminheiros vêm de longe,
Uma estrela vem do céu
Confundindo a reis e tiranos
Se cumprem os planos benditos de Deus!...

O Advento da ‘Amorosidade’ - Marcelo Barros

Quarta-feira, 28 de novembro de 2012 - 17h55min
por Adital
No próximo domingo, as Igrejas de tradição latina iniciaram o ano litúrgico, ciclo no qual se revivem todos os grandes atos da vida de Jesus, desde o seu nascimento, até a morte, ressurreição e partilha do seu Espírito sobre toda a terra. As comunidades revivem estes eventos não apenas para lembrá-los e sim para, neles, se incorporarem. O propósito de cada celebração não é apenas se ligar ao passado, mas nos ajudar a seguirmos o mesmo caminho e nos consagrarmos à mesma causa pela qual Jesus deu a vida. O ciclo anual de celebrações começa com o tempo do Advento, quatro semanas dedicadas a reavivar a esperança da realização do projeto divino no mundo. Esta esperança foi alimentada pelo nascimento de Jesus. O Natal não é apenas aniversário de um nascimento, mas proclamação que a presença e ação divinas se revelam permanentemente em todo ser humano ao qual Jesus se uniu ao nascer neste mundo.

Hoje, a presença divina é testemunhada pelas religiões, mas também por muitas pessoas e grupos que procuram melhorar o mundo e tornar a humanidade mais solidária e amorosa. Há poucos dias, ocorreu na cidade de Astana, capital do Cazaquistão, o 1º Fórum Mundial da Cultura Espiritual. O Cazaquistão é um dos países que se tornou independente com o fim da União Soviética e está na fronteira entre a Europa e a Ásia. Por isso, liga diversas culturas e é ponto de encontro entre várias raças, desde os antigos nômades cazaquis que deram o nome ao país (o termo significa "pessoas livres") até europeus e chineses que há séculos são seus cidadãos. O 1º Fórum Mundial da Cultura Espiritual contou com a participação de Kiril I, patriarca da Igreja Ortodoxa de Moscou e de toda a Rússia, além de autoridades budistas, xintoístas, muçulmanas (o país é de maioria islâmica) e de muitas pessoas que, embora não pertençam a uma religião específica, vivem uma busca espiritual profunda. Durante a última semana de outubro, este fórum reuniu quase mil pessoas entre delegados/as e observadores, vindos de mais de 60 países, além de quase cem voluntários/as, ligados/as à organização do evento.

Como costuma acontecer, a imprensa internacional não deu nenhuma notícia sobre um evento como este. Certamente, jornais e televisões estavam ocupados demais com algum escândalo ocorrido nas cortes mundanas ou com detalhes sensacionalistas de algum crime passional. Encontros e fóruns para unir a humanidade em uma cultura da paz ainda não vendem jornais. De qualquer modo, é importante sabermos que o fórum propôs que em todos os países as pessoas e grupos empenhados na paz e na transformação do mundo comecem a discutir a elaboração de uma Constituição internacional da Cidadania Planetária, baseada em uma consciência ético-ecológica e em uma cultura da "amorosidade" universal.
Esta proposta parece irreal e distante das preocupações concretas do nosso dia a dia. Entretanto, a fé nos faz caminhar aqui e agora, sem perder o olhar sobre a meta final. É importante prestar atenção a cada passo do caminho para não nos desviar, nem cair em algum precipício. Ao mesmo tempo, pouco adianta caminhar, sem ter claro o destino final e o rumo a seguir até a utopia desejada.
Na espiritualidade cristã esta é uma atenção dialética. Precisamos assumir o momento atual como o hoje de Deus em nossa vida. Ao mesmo tempo, ainda esperamos o reinado divino que virá em sua plenitude a este mundo. Isso significa que a paz, a justiça e a comunhão com o universo são objetivos possíveis e que devemos perseguir. O tempo do Advento celebrado pelas Igrejas tem como objetivo aprimorar em nós esta consciência. Ele nos une a todas as pessoas e grupos que no mundo inteiro, nas diversas religiões ou fora delas, trabalham por este objetivo. No 1º Fórum de Espiritualidade que aconteceu em Brasília, (2006), cada participante assinou o seguinte compromisso: "Consciente de que a edificação de uma sociedade justa depende da transformação individual de cada ser humano, comprometo-me a atuar - com amor, inteligência e solidariedade - empenhando o melhor de minhas capacidades para a construção de uma sociedade livre, igualitária e fraterna, buscando proteger a vida no planeta e construir uma organização social, justa e digna. Reconheço que minha família é a humanidade e que estou irmanado/a a todos os seres viventes". Este é o verdadeiro e principal conteúdo deste Advento, proposta não só para cristãos, mas para toda a humanidade.

Marcelo Barros é monge beneditino e escritor

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

1° Domingo do Advento - Um novo amanhecer (Lc 21,25-28.34-36)

por Instituto Humanitas Unisinos (IHU)
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A partir do primeiro domingo de Advento, iniciamos o ciclo C do Ano Litúrgico, o qual segue o evangelho de Lucas. Segundo Tito (3,4), Lucas é o evangelista da "manifestação do carinho de Deus e de sua amizade para com os homens", dos pobres e dos pecadores, dos pagãos e dos valores humanísticos e também das mulheres.
O grande anseio de Lucas, ao escrever a Boa Notícia de Jesus, era "verificar a solidez dos ensinamentos recebidos" (1,4). Ele quer tirar dúvidas, quer mostrar a beleza do seguimento de Jesus, para fazer arder de novo o coração dos cristãos e cristãs e continuar, assim, a missão.
Por isso, o ciclo C será o ano da práxis cristã segundo o modelo de Jesus Cristo. A quem Lucas vai descrever como um homem de oração, de ternura humana, de convivência fraterna, ao mesmo tempo que é também o profeta por excelência, o novo Elias, o porta-voz credenciado do Altíssimo.
O que significa celebrar o tempo de Advento?
Podemos tomar como ponto de partida a palavra «Advento»; este termo não significa «espera», como poderia se supor, mas é a tradução da palavra grega parusia, que significa «presença», ou melhor, «chegada», quer dizer, presença começada.
Na Antigüidade, era usada para designar a presença de um rei ou senhor, ou também do deus ao qual se presta culto e que presenteia seus fiéis no tempo de sua parusia.
O Advento significa a presença começada do próprio Deus. Por isso, recorda-nos duas coisas: primeiro, que a presença de Deus no mundo já começou e que ele já está presente de uma maneira oculta; em segundo lugar, que essa presença de Deus acaba de começar, ainda que não seja total, mas está em processo de crescimento e amadurecimento.
Por isso, antes de continuar, paremos para refletir juntos onde já descobrimos a Presença de Deus em nosso mundo tão conturbado?
Os cristãos e cristãs vivemos na certeza consoladora que «a luz do mundo» já foi acesa na noite escura de Belém e transformou a noite da morte, do pecado humano na noite santa da vida humana em plenitude.
O apelo do evangelho de hoje é a levantar e erguer nossas cabeças, porque o Filho de Deus já irrompeu na história humana, foi tecido nas entranhas da humanidade.
Seguindo a tradição do Antigo Testamento, na descrição de diferentes fenômenos cósmicos que Lucas apresenta no início do evangelho de hoje, o manifesto de Deus está presente na nossa vida, está agindo no mundo por meio de tantas pessoas de diferentes raças, culturas, religiões...
Somos nós que temos que descobrir sua Presença, e mais ainda, somos também nós que, por meio de nossa fé, esperança e amor, somos convidados a fazer brilhar continuamente sua Luz na noite do mundo.
Pode ser um bom "exercício" deste tempo, reunidos em comunidade, em família, partilhar juntos/as as luzes que cada um/a de nós temos acessas, pessoal ou comunitariamente.
Agora vem a outra orientação importante do evangelho de hoje: "Tomem cuidado para que os corações de vocês não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida".
Um dos males de nosso tempo é, sem dúvida, a falta de sensibilidade, vivemos uma vida centrada em nossos próprios interesses, fazendo-nos cegos, surdos e mudos ao sofrimento de nossos irmãos e irmãs.
Atitude totalmente contrária ao Deus de Jesus Cristo: "Eu vi a miséria de meu povo..., ouvi seu clamor...e conheço seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-los..." (cfr. Ex 3,7).
Neste tempo, na esperança de Deus que continua vindo e agindo em nosso mundo, somos convidados/as a aliviar nosso coração daquilo que nos "narcisiza" e desumaniza, para ter um coração mais fraterno e solidário.
Ali Deus se fará presente, "nascerá" novamente, porque onde dois ou mais estejam reunidos em meu nome, eu estarei presente no meio deles.

Fonte: CEBI

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Festa de Cristo Rei do Universo - Dia dos Leigos e Leigas



Jesus é rei, mas um rei diferente (Jo 18,33-37) - Mesters, Lopes e Orofino

por CEBI Publicações
JESUS É O REI, MAS UM REI DIFERENTE
João 18, 33-37

O fragmento abaixo foi extraído do livro "Raio-X da Vida". Círculos Bíblicos do Evangelho de João. Coleção A Palavra na Vida 147/148. Autores: Carlos Mesters, Mercedes Lopes e Francisco Orofino. CEBI Publicações. Saiba mais emvendas@cebi.org.br

Os líderes dos judeus tinham acusado Jesus de ser um malfeitor. Pilatos pergunta: "Você é o rei?" Para o poder romano que ocupava a Palestina, a pessoa que se proclamava rei sem licença de Roma era o mesmo que malfeitor. Naquele tempo, várias pessoas já tinham aparecido como "rei dos judeus". Elas queriam libertar o povo da dominação romana. O povo ia atrás delas. Mas todas elas, sem exceção, foram presas e executadas pelo poder romano.
Pilatos achava que Jesus fosse um rei daquele mesmo tipo. De fato, Jesus é rei, mas um rei diferente: sem exército e sem súditos. Seu poder é o serviço. Seu trono é a cruz. Seu objetivo é paz e vida para todos. Sua arma é a verdade. "Quem é pela verdade escuta a minha voz!"


Festa de Cristo, Rei do Universo - Marcel Domergue

Quinta-feira, 22 de novembro de 2012 - 23h01min
por Instituto Humanitas Unisinos (IHU)
O poder do Cristo se exerce suprimindo do universo a própria raiz da violência. É preciso, aqui, entender a violência, em sentido bastante amplo, como a tentativa de fazer substituir por nossa vontade a liberdade dos outros. Mas como será possível reinar sem se impor?
1. O poder. A expressão "Cristo Rei" é, na verdade, um pleonasmo. Mas significa que o Cristo de Israel assume um poder universal sobre a humanidade e sobre a natureza à qual a humanidade está vinculada. Não há nada de mais inquietante do que a possibilidade humana de uns pesarem sobre a liberdade dos outros; de uns dirigirem os outros. Com que direito? A que título? A humanidade, desde sempre, tem inventado sistemas para designar quais devam ser os detentores da autoridade: se por herança, por eleição... Pois parece ser indispensável haver uma autoridade, para poder se conter os riscos da violência nascidos da selvagem competição. Cada um de nós aspira, de fato, a deter algum poder, porque, além de outras vantagens, isto nos dá segurança com respeito à nossa importância, ao nosso valor, e nos põe no centro das atenções. Existe, sim, uma busca pelo poder. Como dizia um político: "uma vez experimentado o poder, não se pode mais passar sem ele". O poder é uma droga que faz o homem esquecer a sua fragilidade. A busca pelo poder vicia, porque o que justifica o poder é, antes de tudo, "a desigualdade"; ou seja, a superioridade. E uma superioridade que deve ser real: a de quem sabe mais, é mais inteligente, tem maior espírito de decisão... Coisas todas que podem justificar o exercício um poder sobre os outros, ao menos provisoriamente, e, melhor, sendo aceito este poder. Todos nós exercemos poderes, em virtude de nossas competências ou responsabilidades: poderes que exercemos dentro dos nossos domínios e à medida de nossa condição (em casa, na família, na profissão, etc.). Qual seria então o poder do Cristo?
2. Qual poder? Jesus disse a Pilatos que a sua realeza não é deste mundo. Significa que não lhe foi conferida pelos homens. Não a recebeu nem de sua nação nem dos chefes dos sacerdotes. Significa também que não a exerce como os outros soberanos normais. Ele não tem guardas nem exércitos e não faz "sentir o seu poder". A sua realeza não é, enfim, da mesma natureza que as outras: não visa a conter nem reprimir a violência possível nas relações humanas, projeto este que supõe o exercício de uma violência superior, o exercício da sujeição. O poder do Cristo se exerce suprimindo do universo a própria raiz da violência. É preciso, aqui, entender a violência, em sentido bastante amplo, como a tentativa de fazer substituir por nossa vontade a liberdade dos outros. Mas como será possível reinar sem se impor? É o que Jesus responde a Pilatos: "Vim para dar testemunho da verdade". E o que é a verdade? Num certo sentido, é o próprio Deus, mas podemos tentar ser mais precisos: para o homem, a verdade é o que o faz existir realmente, o que o põe em direção à sua criação. A mentira, pelo contrário, é o que o engana, levando-o a uma via sem saída e a enredar-se em impasses. Existe, pois, uma conivência entre o homem e o testemunho do Cristo: a verdade se impõe (poder) porque ela é a própria vida do homem. Como diz Paulo (2Cor 13,8): "Não temos poder algum (...) exceto pela verdade".Verdade que ultrapassa quem a anuncia. O que justifica o poder do Cristo é que Ele convoca o homem à sua plena realização.
3. Qual tomada do poder? Cristo toma o poder - em parte, mas é fundamental - através de uma demonstração: submetendo-se à violência (submissão que é o contrário do poder). Ele mostra publicamente que o poder verdadeiro não é poder-dominação, manifestando assim a vaidade e a perversidade das condutas que visam a dispor-se dos outros. Este aniquilamento do Cristo foi apresentado por João como um "elevar-se": o Cristo crucificado foi levantado da terra e, naquele momento, os olhares todos se voltam para ele. Ele atrai todos os homens, porque a verdade atrai tudo o que em nós existe de verdadeiro. Por que a palavra "demonstração"? Porque Jesus põe a nu, diante dos nossos olhos, o pecado do homem, a sua mentira, e a verdade do amor. Ele não nos impõe a verdade, pois isto seria voltar às atitudes de violência que são o contrário da verdade; sem sentido, portanto. Ele nos mostra a verdade: "Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz" (Jo 18,37) e se torna seu discípulo. Esta é a Realeza do Cristo, não semelhante a nenhuma outra, uma vez que se apresenta sob a figura do contrário da realeza. O senhor é aquele que se faz o servidor e só pode ser senhor quem se faz servidor.

Meu Reino não é deste mundo? (João 18,33-37) - Edmilson Schinelo e Ildo Bohn Gass

Quinta-feira, 22 de novembro de 2012 - 23h39min
por Centro de Estudos Bíblicos (CEBI)
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Para Jesus, a morte se mostrava iminente. Talvez lhe restasse apenas uma saída: fazer o jogo do poder, oferecido por Pilatos. Isso significaria abandonar o projeto que tinha assumido e proposto a seu grupo de seguidoras e seguidores. A conversa é tensa e Jesus pouco fala. O mundo de Pilatos não é o seu.
É assim que a comunidade joanina nos descreve o confronto entre dois projetos: o "mundo" e o "Reino". Ao ser indagado, Jesus assume a sua realeza. Mas esclarece: "Meu Reino não é como os reinos deste mundo" (João 18,36).
Na história da interpretação dos textos joaninos, com certeza essa é uma das frases que mais serviu para manipular a proposta de Jesus. Muitos a interpretaram como a afirmação de que a missão de Jesus foi "salvar almas para depois da morte" e não salvar vidas. Seu Reino foi jogado apenas para o céu (o pós-morte), como se Jesus não tivesse dito em sua oração: "venha o teu reino, seja realizada na terra a tua vontade, como é realizada nos céus" (Mateus 6,10).
           
Meu Reino não é como os reinos deste mundo                       
Nos escritos joaninos, o termo mundo significa tudo o que se opõe ao projeto de Deus. Uma tradução mais adequada da resposta de Jesus a Pilatos poderia ser: Meu reino não é como (de acordo com, conforme) este mundo. Ora, as comunidades joaninas sabiam muito bem como era o mundo de Pilatos, representante do Império Romano na Judeia. O mundo do Império impunha seu poder pela força das armas e pelas negociatas e artimanhas, entre relações desleais, corruptas e corruptoras. A proposta de Jesus é outra, seu Reino não compactua com este mundo.
O Reino de Jesus se apoia no poder serviço (João 13), que não busca prestígios, mas que doa sua vida até a morte na cruz para que a vida aconteça em plenitude (João 10,10). 
  
Jesus é rei, mas de outro projeto político
Muitas vezes, a frase em questão também é utilizada para justificar a postura de gente que afirma que "política e religião não se misturam". No intuito de justificar seu comportamento religioso teoricamente apolítico, pessoas e grupos também "espiritualizam" a leitura do movimento de Jesus: enquanto "rei espiritual" dos judeus, o Mestre almejava anunciar uma mensagem de paz totalmente espiritual e religiosa. Infelizmente, não raras vezes, muitos dos que defendem essa postura, se líderes religiosos, vivem atrelamentos vergonhosos com políticos e empresários. E, se políticos ou empresários, quase sempre pedem as bênçãos de um líder religioso para suas ações e seus empreendimentos financeiros. Justificar o sistema com elementos e símbolos religiosos não seria, portanto, juntar religião e política. Questionar o sistema por meio da fé, isto seria.  
A proposta de Jesus é uma proposta religiosa, de vivência de uma espiritualidade radical, que não se contenta com a superficialidade, mas vai até raízes mais profundas. Por essa razão, uma proposta altamente política. Ele mesmo, no capítulo 17, roga ao Pai pelos seus: "Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo. Mas não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno" (João 17,14b-15).

Quem é da verdade, escuta minha voz  
A concepção hebraica de verdade difere da mentalidade greco-romana. Enquanto para Aristóteles "a verdade é a adequação do pensamento à realidade", para um hebreu autêntico, verdadeira é a pessoa fiel ao projeto de seu Deus e de sua comunidade. Verdade é sinônimo de fidelidade.
Em sua conversa com Pilatos, Jesus não tem receio de afirmar: "Vim ao mundo para dar testemunho da verdade" (João 18,37). Testemunhar a verdade é doar a vida até as últimas consequências. É fidelidade ao projeto amoroso do Pai.
"E quem é da verdade, escuta a minha voz". Quem decide viver a verdade, o amor fiel, adere ao projeto de vida que vem do Pai, tal como a ovelha, ao ouvir a voz do seu pastor, segue-o pelo caminho (João 10).
Para a comunidade joanina, romper com os reinos deste mundo é assumir uma forma de espiritualidade que estimule relações alternativas, de justiça e de ternura, de partilha e de paz. A paz, fruto da justiça e não a paz imposta pelas armas dos impérios deste mundo (João 14,27).

* Assessores do CEBI. Ildo Bohn Gass é autor livro A oração de Jesus e outras obras.Edmilson Schinelo é colaborador no livro Advento, Natal e Ano Novo e outros.