quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Tu és o meu filho; eu hoje te gerei (Lc 3,15-16.21-22) - Ildo Bohn Gass



por CEBI
A liturgia deste final de semana propõe abrir-nos a Deus, da mesma forma como Jesus o fez ao acolher o dom do Espírito enquanto estava em oração logo após o seu batismo.

Em Lucas, a narrativa a respeito do batismo de Jesus vem depois do Evangelho da Infância. Entre as narrativas da infância (Lucas 1-2) e o início da missão de Jesus (Lucas 4,14 em diante), os autores deste Evangelho inserem os relatos da preparação do caminho do Senhor feita por João Batista (Lucas 3,1-20) e o relato da preparação de Jesus para sua missão (Lucas 3,21-4,13). Como dobradiça que liga as duas partes, está a narrativa a respeito do batismo de Jesus (Lucas 3,21-22). Temos, assim, um paralelo entre dois batismos: o de João com água e o de Jesus com o Espírito e com o fogo.

A comunidade de Lucas faz questão de situar historicamente o início da atividade de João (Lucas 3,1-2). Do ponto de vista político, foi no tempo de Tibério, imperador romano de 14 a 37 d.C., e de Herodes Antipas, governador da Galileia desde 4 a.C. até 39 d.C. Do ponto de vista religioso, foi na administração do sumo sacerdote Caifás (sumo pontífice no templo de 18 a 36 d.C.), genro de Anás (6-15 d.C.), nomeado sumo sacerdote por Herodes Antipas em nome do imperador. Por um lado, João denuncia profeticamente o reino da opressão representado por Tibério e por Herodes, em aliança com o templo de Jerusalém. Diante de tanto sofrimento, o povo esperava ansiosamente a vinda de um libertador. João Batista propõe a prática da partilha efaz fortes críticas aos poderosos, anunciando um juízo severo para eles (Lucas 3,17). Por isso, o povo começou a ver em João a esperança da vinda do messias, o rei ungido por Deus que viria para libertar o seu povo.

Por outro, João anuncia a vinda do Reino de Deus para breve (cf. Lucas 3,9.17), chamando à conversão, à mudança de mentalidade e de vida, convocando à partilha e à vivência de relações fraternas (Lucas 3,11-14). Em consequência dessa prática profética, ele foi preso e encarcerado pelos poderosos de seu tempo (Lucas 3,19-20). Assim, João cumpriu sua missão como profeta que faz a ponte entre a Aliança de Deus com Israel e a Aliança em Jesus com toda humanidade.

Para Lucas, a tarefa de João é fazer com que as pessoas se convertam e se abram ao Reino de Deus presente no novo agir de Jesus. Lucas o apresenta mostrando para Jesus. João não é o Messias, o Cristo, o Ungido. Seu batismo era somente com água, sinal de purificação e de conversão para acolher Jesus de Nazaré, mais forte do que João. Sua atitude é de estar a serviço, menor ainda que os servos, cuja tarefa era desatar as sandálias de seus senhores.
  
As sandálias também lembram a lei do levirato (Deuteronômio 25,5-10). Segundo esta lei, quando um marido morria sem deixar filhos, um parente próximo devia assumir a viúva para gerar um herdeiro para o falecido. Assim, resgatava sua terra, de modo que ficasse no clã. Quando o parente mais próximo se negava a assumir a tarefa do resgate para seu irmão falecido, outro parente devia cumprir a lei. Era então que o parente mais próximo dava uma de suas sandálias ao novo resgatador, o novo noivo. Era o sinal que este passava a ter o direito de resgate, de gerar descendência para o falecido. Ao não desatar a correia das sandálias de Jesus, João reconhece nele o resgatador, o messias libertador de todas as formas de opressão. João é o último representante da Antiga Aliança. Jesus, porém, é o noivo da Nova Aliança.

Jesus é batizado com água junto com o povo, em meio ao povo. Em seu batismo, Jesus é investido para a sua missão, guiado pelo Espírito de Deus. É somente Lucas quem faz referência à atitude orante de Jesus no seu batismo. E é esta atitude de intimidade de Jesus com o Pai que faz com que o Espírito o transforme e o envie para evangelizar os pobres (Lucas 4,18-19). Também para nós Jesus pediu que tivéssemos essa atitude orante durante a vida toda, abrindo-nos ao Espírito de Deus. Ele é fruto da oração, da acolhida, é dom (Lucas 11,13).

João batiza Jesus com água. No entanto, Jesus batiza com o Espírito e com o fogo. Por isso, o seu batismo é superior ao de João. É no Espírito Santo, representado pelo fogode Pentecostes (Lucas 3,15-16; Atos 2,1-13). Neste Evangelho, ainda antes do batismo de Jesus, há uma ênfase muito grande na apresentação de pessoas abertas à ação do Espírito Santo. Lembramos João Batista, Maria, Zacarias e Simeão (Lucas 1,15.41.67; 2,26-27). E o fogo recorda a presença de Deus no êxodo, na libertação do povo, oprimido pelo sistema faraônico (Êxodo 3,2-3; 13,21; 19,18). É o mesmo fogo de Pentecostes, o dinamismo do Espírito, que entusiasma os discípulos e as discípulas de Jesus para o anúncio e a vivência da boa-nova até os confins da terra (Atos 1,8; 2,1-13).

Uma vez preso João, Jesus dá um novo rumo à sua missão. Diferentemente do Precursor, que anuncia a vinda do Reino de Deus para breve e como um juízo severo, Jesus vive o Reino já presente no seu jeito de se relacionar especialmente com as pessoas mais discriminadas, revelando a misericórdia do Pai (cf. Lucas 7,22; 11,20; 17,20-21).

Lucas apresenta o batismo de Jesus depois da prisão de João como o ato em que oEspírito de Deus vem confirmar o Nazareno enquanto Messias, ungindo-o para a missão do serviço, da mesma forma como fora ungido o servo de Deus em Isaías 42,1 e 61,1. Nesse momento, Jesus estava em oração, isto é, em íntima comunhão com a fonte da vida, com o projeto do Reino. Tão íntima é essa comunhão que, em Jesus, Deus e a humanidade se encontram. Esse é o significado da abertura do céu (Lucas 3,21), realizando a esperança do povo (Isaías 63,19b). Em Jesus, céu e terra estão tão próximos que é possível perceber a presença materializada ("em forma corpórea") do Espírito de Deus nas atitudes de Jesus. Se em Gênesis 8,8-11 a pomba foi a mensageira da vida recriada depois de submersa pelas águas do dilúvio, agora a presença da pomba anuncia que o Espírito de Deus impulsiona Jesus a realizar a nova criação, mulheres e homens recriados a partir das águas do batismo. No batismo, morremos com Cristo e ressuscitamos com ele para uma vida nova (Romanos 6,1-14). Viver como pessoa renovada e ressuscitada é, portanto, missão de todos nós.

Ao lembrar a entronização do rei que vem libertar o povo (Salmo 2,7: "Tu és o meu filho"), a comunidade de Lucas apresenta Jesus como o verdadeiro Rei e Messias, que veio governar com justiça e no serviço ao povo. Por isso, lembra também a missão doservo em Isaías 42,1 ("em ti está o meu agrado"). No batismo de Jesus, temos umaepifania, ou seja, uma manifestação do filho de Deus ao mundo, gerado como o messias que vem libertar o povo.

No batismo, Jesus assume publicamente o seu compromisso com as novas relações do Reino de Deus já presente em seu agir. Batizar-se em seu nome, na linguagem paulina, é revestir-se de Cristo, ou seja, é agir como o próprio Cristo agia, superando todas as formas de discriminação (cf. Gálatas 3,27-28).

*Ildo Bohn Gass é biblista, assessor do CEBI e autor de diversos livros, dentre eles a coleção Uma Indrodução à BíbliaQuatro retratos do apóstolo Paulo e O Pão nosso de cada dia dá-nos hoje.

Dom Pedro Casaldáliga e os latifundiários


por A reportagem é de Lucas Kocci, publicada no jornal Il Manifesto. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por quase um mês ele foi mantido escondido em um lugar secreto, hóspede de um amigo e protegido pela polícia. Às vésperas do Ano Novo, no entanto, no dia 29 de dezembro passado, Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, no Brasil, pôde retornar para a sua casa e para a sua comunidade noMato Grosso, onde vive ininterruptamente desde 1968.

Ele tivera que se afastar no início de dezembro, por causa das ameaças contra ele por parte dos latifundiários, dos quais uma ordem do Supremo Tribunal está subtraindo milhares de hectares de terras, ocupadas ilegalmente há anos, para restituí-las aos seus legítimos proprietários, os índios do povo Xavante, desde sempre defendidos e apoiados por Casaldáliga

No último período, as intimidações haviam se tornado cada vez mais insistentes e perigosas: "O bispo não verá o fim de semana", teriam dito durante uma reunião dos fazendeiros. E assim, o governo federal preferiu proteger o idoso religioso de 85 anos, que sofre de Parkinson, até que a tensão tivesse acalmado.

Os latifundiários acusam o bispo de ser o "inspirador" da sentença do Tribunal e de ter a responsabilidade pela demarcação da terra, situada entre os municípios de São Félix do Araguaia Alto da Boa Vista, no norte do Mato Grosso, que agora as autoridades estão devolvendo aos índios. 

"Pedro está bem", mas está muito perturbado "com tudo o que está acontecendo", informa quem o acompanhou durante o afastamento desejado pelas autoridades. "Plena solidariedade" ao bispo que, "desde que pôs os pés na terra do Araguaia, trabalha em defesa dos interesses dos pobres, dos povos indígenas, dos agricultores e dos trabalhadores" foi expressa pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

E a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do Brasil apresentou uma moção de apoio aCasaldáliga: "Diante das novas ameaças por causa de seu corajoso trabalho de solidariedade para com os povos indígenas e os trabalhadores da terra", a Comissão expressou "seu mais firme apoio ao Bispo Casaldáliga, um humanista que enche de orgulho o Brasil e a todos aqueles que trabalham em prol dos direitos humanos". 

Na Europa, quem tomou a palavra foi o Movimento Internacional Nós Somos Igreja, expressando "profunda preocupação com as ameaças de morte contra Dom Pedro Casaldáliga e a sua equipe pastoral".

Desde os anos 1960 – informa a agência Adista, entre os pouquíssimos órgãos de informação que divulgaram a notícia na Itália –, com a chegada de empresas ligadas ao agronegócio, os índios xavante foram expulsos do seu território, invadido pelos latifundiários, que também levaram muitos agricultores a ocupar algumas áreas, de modo a turvar as águas e camuflar os seus próprios interesses, opondo pobres a outros pobres: os xavante contra os agricultores enganados e manipulados. 

Mas, para ambos, Casaldáliga, que não caiu na armadilha da "guerra entre pobres", sempre pediu a atribuição das terras da reforma agrária. "O despejo prossegue velozmente", declarou o bispo ao portal espanhol Religión Digital, assim que voltou para casa. "Entre tensões e esperanças, tentamos fortalecer a comunhão entre os povos".

Intimidações e ameaças não são novidade para Casaldáliga, que, catalão de nascimento, desde que chegou ao Brasilem 1968 como missionário claretiano, está na lista negra da ditadura militar (1964-1984), primeiro, e dos latifundiários, depois: em outubro de 1976, enquanto exigia em um quartel a libertação de dois agricultores suspeitos de colaborar com os opositores da junta militar, um policial atirou contra ele e matou o jesuíta João Bosco, que lhe serviu de escudo com o seu corpo (poucos dias depois, o quartel foi atacado por agricultores que o destruíram, libertando os seus companheiros); e em 1993 a Anistia Internacional denunciou que os latifundiários haviam contratado um assassino para matá-lo, porque também à época ele defendia a terra dos xavante.

Casaldáliga sempre esteve debaixo de fogo – como também estiveram os "bispos do povo" Helder Câmara Oscar Romero, morto por assassinos do regime militar salvadorenho em 1980 –, porque, assim que chegou ao Brasil dos generais, apoiou e contribuiu com a recém-nascida Teologia da Libertação (que queria encarnar o Evangelho na concretude das condições de opressão dos pobres da América Latina, esmagados pelas ditaduras e pelo capitalismo) e, acima de tudo, se inclina ao lado dos agricultores e dos índios, que cada vez mais são expulsos das suas terras pelas grandes empresas agroalimentares.

Paulo VI, que havia acabado de escrever a Populorum Progressio – em que também se afirma o direito dos povos a se rebelar até com a força contra um regime opressor –, indicou-o como bispo de São Félix do AraguaiaCasaldáligaestá incerto, optou pelos pobres, não para o palácio, e assim convocou a sua comunidade, os religiosos, mas também os leigos, e deixou que fossem eles que decidissem, em um processo não previsto de "democracia participativa". 

Eles lhe deram a permissão e, em agosto de 1971, foi consagrado bispo. Logo abandonou os traços distintivos do poder episcopal: a mitra seria um chapéu de palha dos agricultores; o báculo, um bastão de madeira dos tapirapé, um grupo indígena do Mato Grosso; o anel, não de ouro, mas sim de tucum, usado pelos escravos e, na teologia da libertação, símbolo da união entre a Igreja e os pobres. 

Rejeitou os edifícios curiais, escolheu os oprimidos e escreveu a sua primeira carta pastoral, Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social, uma lucidíssima análise dos perversos mecanismos do capitalismo que deixaria uma marca profunda na Igreja e na sociedade brasileira, antecipando a criação da Comissão Pastoral da Terra

A partir daquele momento, Casaldáliga (e seus colaboradores mais próximos) se tornará um "vigiado especial" da ditadura e dos latifundiários, objeto de intimidações, ameaças e ordens de expulsão, permanecendo sempre ao lado dos pobres, misturando Evangelho, paixão pela justiça e poesia, que ele mesmo compôs. Textos de profunda religiosidade e humanidade: "Deus nos livre de leigos com batinas no espírito / Deus nos livre de padres sem Espírito Santo / Deus nos livre de espíritos sem a carne da vida" (em “Fogo e cinzas ao vento”).
E de intenso amor revolucionário, como o Canto pela Morte de Che Guevara: "Descansa em paz. E aguarda, já seguro, / com o peito curado / da asma do cansaço; / limpo de ódio o olhar agonizante; / sem mais armas, amigo, / que a espada despida de tua morte. / Nem os 'bons' - de um lado –, / nem os 'maus' - do outro –, / entenderão meu canto. / Dirão que sou apenas um poeta. / Pensarão que a moda me ganhou. / Recordarão que sou um padre 'novo'. / Nada disso me importa! / Somos amigos / e falo contigo agora / através da morte que nos une; / estendendo-te um ramo de esperança, / todo um bosque florido / de ibero-americanos jacarandás perenes, / querido Che Guevara!".

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Mês da Bíblia 2013 - Subsídio para encontros


por CEBI - Publicações
Já está disponível o subsídio para o Mês da Bíblia da ICAR 2013. O Evangelho de Lucas - Quem é Jesus para nós? oferece 04 círculos bíblicos elaborados por Carlos Mesters e Mercedes Lopes.
A leitura orante  e comprometida do Evangelho de Lucas nos ensinará como ler os sinais dos tempos, como acolher a hora da visita de Deus, como descobrir os momentos do Espírito. O dom do Espírito, prometido por Jesus, não se compra com dinheiro nem se consegue pelo estudo. O Espírito Santo é dado a quem o pede na misericórdia e na oração (Lc 11,13). Lucas é um verdadeiro intérprete. Ele entende as duas línguas, a de Jesus e a do povo das comunidades, e passa de uma para a outra.
O subsídio é oferecido ao preço de R$ 3,00 a unidade acrescidos das despesas de correio para envio. O pedido mínimo é de 05 unidades ou o valor de R$ 15,00 se for adquirido junto com outros livros.
As encomendas podem ser feitas pelo e-mail vendas@cebi.org.br
Clique aqui e confira outras publicações do CEBI sobre o Evangelho de Lucas .

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Em 2013 pratique a Solidariedade: ajude a promover a Leitura Bíblica



por CEBI Publicações
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O CEBI convida você para um gesto concreto: Participe da Campanha Eu apoio o CEBI.
Com humildade e carinho, o CEBI vem reforçar o convite: Colabore com projetos de Leitura Popular da Bíblia.  Você pode fazer isso por meio da Campanha "Eu apoio o CEBI".  
Visite a página da campanha para saber mais sobre o CEBI e também as formas pelas quais é possível realizar uma doação. Em caso de dúvida, faça contato conosco:administracao@cebi.org.br ou (55) 51 3568-2560.

Veja alguns exemplos do trabalho do CEBI:
- Trabalhos com livrinhos do CEBI no Pará, no Maranhão, com mulheres em situação de prostituição em Salvador e na luta pela terra no rio Grande do Sul.
- Formação sobre Saúde e Bíblia, em todo o país (veja este exemplo no Piauí);
- Capacitação de pessoas na Região Amazônica;
- Trabalhos Diversso feitos pelas Juventudes;
- Presença junto aos assentados de Mato Grosso do Sul.
-  Escolas Bíblicas pelos vários cantos do país.
Outras formas de apoiar o CEBI, além de doação de recursos, são a aquisição dos livros, a realização de trabalho voluntário na sua região ou mesmo a divulgação do trabalho do CEBI aos seus amigos/as, familiares, colegas de trabalho, pessoas de sua relação.
Toda ajuda é valiosa! Lembre-se: O Reino dos ceús é como um grão de mostarda... (Mt 13,31).

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Em busca de uma síntese integradora: os três reis magos - Leonardo Boff


por http://leonardoboff.wordpress.com


Na Bíblia do Novo Testamento, há duas versões do nascimento de Jesus. Uma do evangelho de Lucas que culmina com a adoração dos pastores. A outra, do evangelho de Mateus, que se concentra na adoração dos três reis magos. A lição é: judeus e não-judeus (antigamente se dizia pagãos), cada um a seu modo, tem acesso a Jesus e participam da alta significação que ele encarna. Tentemos captar o sentido dos reis magos, festa que as Igrejas celebram no dia 6 de Janeiro, hoje quase esquecida.

As Escrituras judaico-cristãs deixam claro que Deus não se revelou apenas aos judeus. Antes de surgir o povo de Israel com Abraão, revelou-se a Enoque, a Noé, a Melquisedeque, depois a Balaão e a um não judeu, o rei Ciro a quem, pela primeira vez na Bíblia, se atribui o título de Messias. E nunca deixou de se revelar aos seres humanos, de muitas formas diferentes, pois todos são seus filhos e filhas e ouvintes da Palavra. Os reis magos estão entre eles. Quem eram? Diz-se que eram astrólogos vindos provavelmente da Babilônia.

Naquele tempo astronomia e astrologia caminhavam juntas. Certo dia, estes sábios descobriram uma estranha conjunção de Júpiter com Saturno que se aproximaram de tal forma que pareciam uma única grande estrela, na constelação de Peixes. O grande astrônomo Kepler (+1630) fez cálculos astronômicos e mostrou efetivamente que no ano 6 antes de Cristo (data do nascimento de Cristo pelo calendário corrigido) ocorreu tal conjunção.

Para os sábios, este fato possuia grande signficação. Júpiter, na leitura astronômica da época, era o símbolo do Senhor do mundo. Saturno era a estrela do povo judeu. E a constelação de Peixes era o sinal do fim dos tempos. Os sábios babilônicos assim interpretaram: no povo judeu (Saturno) nascerá o Senhor do mundo (Júpiter) sinalizando o fim dos tempos (Peixes). Então se puseram a caminho para prestar-lhe homenagem.

Sempre houve na história dos povos, pessoas simples ou sábias que se puseram a caminho em busca de salvação, quer dizer, de uma totalidade integradora que superasse as rupturas da existência humana. Deus veio ao encontro desta busca entrando nos modos de ser e de pensar das respectivas pessoas.

Mas por que foram encontrar Jesus? Porque, segundo a compreensão dos evangelistas, Jesus é um princípio de ordem e de criação de uma grande síntese humana, divina e cósmica. Quando dão a ele o título de Cristo (ungido em grego) querem expressar esta convicção. Cristo não é um nome de pessoa, mas uma qualidade conferida a alguém para cumprir uma missão que, no caso, é concretizar uma síntese integradora (salvação).Jesus operou tal síntese; por isso o chamaram de Cristo. Pessoa e missão se identificaram de tal forma que Jesus Cristo se transformou num nome. Mais correto seria dizer, Jesus, o Cristo. Esta síntese é buscada e realizada em outras religiões e caminhos espirituais, embora sob outros nomes: Sabedoria, Logos, Iluminacão, Buda, Tao, Shiva etc. Estes são "ungidos e consagrados"(significado de Cristo) para serem um centro atrator e unificador de tudo o que há no céu e na terra. Mudam os nomes, mas o sentido é sempre o mesmo.

Nossa realidade, entretanto, é contraditória. É feita de elementos sim-bólicos e dia-bólicos, de verdade e de falsidade, de luz e de sombras. Como criar uma ordem superior que ultrapasse essas contradições? Sentimos a urgência de um Centro ordenador e animador de uma síntese pessoal, social e também cósmica.

Os evangelistas usaram o fenômeno astronômico do aparecimento de uma estrela para apresentar Jesus como aquele Senhor do Universo que vem sob a forma de uma frágil criança para unificar tudo. Essa Energia é divina mas não é exclusiva de Jesus. Ela se expressa sob muitas formas históricas e em muitas figuras religiosas, justas ou sábias e, no fundo, em cada pessoa. Em Jesus, o Cristo, ganhou uma concretização tal que mobilizou outras culturas com seus sábios vindos do Oriente, os Magos.

Todos os caminhos levam a Deus e Deus visita os seus em suas próprias histórias. Todos estão em busca daquela Energia unificadora que se esconde no signficado da palavra Cristo. Esse encontro com a Estrela que guiou os magos, produz hoje, como produziu ontem, alegria e sentimento de integração.

Haverá sempre uma Estrela no caminho de quem busca. Importa, pois, buscar com mente pura e sempre atenta aos sinais dos tempos como o fizeram os reis magos.

Reis Magos ontem e hoje (L. Boff)



Leonardo Boff*

No Segundo Testamento** há duas versões do nascimento de Jesus. Uma do evangelho de Lucas que culmina com a adoração dos pastores. A outra, do evangelho de Mateus, que se concentra na adoração dos três reis magos. A lição é: judeus e pagãos, cada um a seu modo, encontram Jesus.

As Escrituras judaico-cristãs deixam claro que Deus não se revelou apenas aos judeus. Antes de surgir o povo de Israel com Abraão, revelou-se a Enoque, a Noé, a Melquisedeque, depois a Balaão e ao rei Ciro. Os reis magos pertencem a este grupo. Quem eram eles? Eram astrólogos vindos provavelmente da Babilônia. Naquele tempo astronomia e astrologia caminhavam juntas. Certo dia, estes sábios descobriram uma estranha conjunção de Júpiter com Saturno que os aproximou de tal forma que pareciam uma única grande estrela, na constelação de Peixes. Desde o tempo de Kepler (+1630) os cálculos astronômicos mostraram efetivamente que no ano 6 antes de Cristo (data do nascimento de Cristo pelo calendário corrigido) ocorreu tal conjunção. Para os sábios, este fato possuía grande significação. Júpiter, na leitura astronômica da época, era o símbolo do Senhor do mundo. Saturno era a estrela do povo judeu. E a constelação de Peixes era o sinal do fim dos tempos. Os sábios babilônicos assim interpretaram: no povo judeu (Saturno) nascerá o Senhor do mundo (Júpiter) sinalizando o fim dos tempos (Peixes). Então se puseram a caminho para prestar-lhe homenagem. Sempre houve na história dos povos, pessoas simples ou sábios que se puseram a caminho em busca de salvação, quer dizer, de uma totalidade integradora. Deus foi a seu encontro nos seus modos de ser e de pensar.

Mas por que foram encontrar Jesus? Porque, segundo a compreensão dos cristãos, Jesus é um princípio de ordem e de criação de uma grande síntese humana, divina e cósmica. Quando dão o título de Cristo a Jesus querem expressar esta convicção. Esta síntese se encontra também em outras religiões sob outros nomes: Sabedoria, Logos, Iluminação, Buda, Tao. Estes são os "ungidos e consagrados" (significado de Cristo) para serem um centro atrator e unificador de tudo o que há no céu e na terra. Mudam os nomes, mas o sentido é sempre o mesmo.

Nossa realidade, entretanto, é contraditória. É feita de elementos sim-bólicos e dia-bólicos, de verdade e de falsidade, de bondade e de maldade. Como podemos distinguir um do outro? Como criar uma ordem superior que ultrapasse essas contradições? Precisamos de um Centro ordenador e animador de uma síntese pessoal, social e também cósmica.

Os evangelistas usaram o fenômeno astronômico para apresentar Jesus como aquele Senhor do Universo que vem sob a forma de uma criança para unificar tudo. Essa Energia é divina mas não exclusiva. Ela se expressa sob muitas formas históricas. Em Jesus, o Cristo, ganhou uma concretização que mobilizou outras culturas com seus sábios vindos do Oriente.

Todos os caminhos levam a Deus e Deus visita os seus em suas próprias histórias. Todos estão em busca daquela Energia que se esconde no significado da palavra Cristo. Esse encontro com a Estrela produz hoje, como produziu ontem, alegria e sentimento de integração. Haverá sempre uma Estrela no caminho de quem busca. Importa, pois, buscar com a mente sempre desperta aos sinais como os reis magos.


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*Teólogo** Alguns usão o termo "O Segundo Testamento" no lugar de "O Novo Testamento" principalmente por respeito aos nossos irmãos que abraçam a religião judaica.

A visita do anjo aos pastores - Paz aos Excluídos! (Lc 2,1-20) - Mesters e Lopes



Texto extraído do Livro "O avesso é o lado certo" - Círculos Bíblicos sobre o Evangelho de Lucas - p. 44-46).

Paulinas e CEBI Publicações. Autores: Carlos Mesters e Mercedes Lopes 

1. SITUANDO
O motivo que levou José e Maria a viajar para Belém foi o recenseamento decretado pelo imperador de Roma (Lc 2,1-7). Periodicamente, as autoridades romanas decretavam tais recenseamentos nas várias regiões do seu imenso império. Era para recadastrar a população e saber quanto cada pessoa tinha que pagar de imposto. Os ricos pagavam imposto sobre a terra e sobre os bens que possuíam. Os pobres pagavam pelo número de filhos. Às vezes, o imposto total chegava a mais de 50% dos rendimentos da pessoa.
Há uma diferença significativa entre o nascimento de Jesus e o nascimento de João. João nasce em casa, na sua terra, no meio dos parentes e vizinhos e é acolhido por todos (Lc 1,57-58). Jesus nasce desconhecido, fora de sua terra, no meio dos pobres, fora do ambiente da família e da vizinhança. "Não havia lugar para ele na hospedaria". Teve que ser deitado numa manjedoura.

2. COMENTANDO
2.1 Lucas 2,8-9: Os primeiros convidados
Os pastores eram pessoas marginalizadas, pouco apreciadas. Viviam junto com os animais, separados do convívio humano. Por causa do contato permanente com os animais eram considerados impuros. Ninguém jamais os convidava para vir visitar um recém-nascido. É a estes pastores que aparece o anjo do Senhor para transmitir a grande notícia do nascimento de Jesus. Diante da aparição dos anjos, eles ficam com medo.
2.2 Lucas 2,10-12: O primeiro anúncio da boa-nova
A primeira palavra do anjo é: "Não tenham medo!" A segunda é: "Alegria para todo o povo!" A terceira é: "Hoje!" Em seguida, vêm três nomes para identificar quem é Jesus: Salvador, Cristo e Senhor! SALVADOR é aquele que liberta todos de tudo que os amarra! Os governantes daquele tempo gostavam de usar o título de Salvador (Soter). CRISTO significa ungido ou messias. Era um título dado aos reis e aos profetas. Era também o título do futuro libertador. Significa que esse menino recém-nascido veio realizar as esperanças do povo. SENHOR era o nome que se dava ao próprio Deus! São os três maiores títulos que se possa imaginar. A partir deste anúncio do nascimento de Jesus como Salvador, Cristo e Senhor, você imagina alguém da mais alta categoria. E o anjo lhe diz: "Atenção! Tem um sinal! Você vai encontrar um menino deitado num barraco no meio dos pobres!" Você acreditaria? O jeito de Deus é diferente mesmo!
2.3 Lucas 2,13-14: Glória no mundo de cima, Paz no mundo de baixo
Uma multidão de anjos aparece e desce do céu. É o céu desabando sobre a terra. As duas frases do refrão que eles cantam dão o resumo do que Deus quer com o seu projeto. A primeira diz o que acontece no mundo lá de cima: "Glória a Deus nas alturas". A segunda diz o que vai acontecer no mundo cá de baixo: "Paz na terra aos seres humanos por ele amados". Se a gente pudesse experimentar o que significa realmente ser amado por Deus, então tudo mudaria e a paz viria morar na terra. E isto seria a maior glória para Deus que mora nas alturas.
2.4 Lucas 2,15-20: A palavra vai sendo acolhida e encarnada
A Palavra de Deus não é apenas um som que a boca produz. Ela é, sobretudo, um acontecimento! Os pastores dizem, literalmente: "Vamos ver esta palavra que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer!" Em seguida, Lucas diz que "Maria conservava estas palavras (acontecimentos) em seu coração" e as ruminava. São duas maneiras de se perceber  e acolher a Palavra de Deus: 1) Os pastores se levantam para ir ver os fatos e verificar neles o sinal que foi dado pelo anjo; 2) Maria conserva os fatos na memória e as confere no coração. Ou seja, ela conhece a Bíblia e tenta entender os fatos novos iluminando-os com a luz da Palavra de Deus.

3. ALARGANDO
Novamente, ao longo da descrição do nascimento de Jesus, Lucas sugere que as profecias se realizaram! Eis algumas delas:
  • Apareceu a luz das nações, anunciada por Isaías! (Is 9,1; 42,6; 49,6).
  • Nasceu o menino, prometido pelo mesmo profeta (Is 9,5; 7,14).
  • O menino que devia nascer para dar alegria ao povo e trazer a salvação de Deus (Is 9,2).
  • Ele nasceu em Belém. Por isso é o Messias prometido, conforme anunciou Miquéias (Mq 5,1).
  • Chegou o tempo da paz anunciada por Isaías, em que animais e seres humanos vão se reconciliar e farão desaparecer da terra toda a violência assassina (Is 11,6-9).
O imperador romano pensava ser o dono do mundo. Na realidade, ele não passava de um empregado. Sem saber e sem querer, ele executava os planos de Deus, pois o decreto imperial fez com que Jesus pudesse nascer em Belém e realizar a profecia (Lc 2,1-7).
O que chama a atenção neste texto são os contrastes:
  • Na escuridão da noite brilho uma luz (2,8-9)
  • O mundo lá de cima, o céu, parece desabar e envolver  nosso mundo cá de baixo (2,13).
  • A grandeza de Deus se manifesta na fraqueza de uma criança (2,7)
  • A glória de Deus se faz presente numa manjedoura de animais (2,16)
  • O medo provocado pela repentina aparição do anjo dá lugar à alegria (2,9-10)
  • Pessoas que vivem marginalizadas de tudo são as primeiras convidadas (2,8)
  • Os pastores reconheceram Deus presente numa criança (2,20)
Outro dia, foi dado o aviso: "O celebrante de hoje será o senhor João!" Muitas pessoas não aceitaram e saíram. Diziam: "O João nem sabe ler direito!" Qual a mensagem de Natal para estas pessoas que recusam o senhor João?

Magos em Belém: culturas diferentes à busca de Deus (Mt 2,1-12) - Marcelo Barros


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Marcelo Barros é autor de O Espirito vem pelas águas
Outras obras do autor podem ser vistas aqui


Irmãs e irmãos da comunidade de Mateus,
Quero conversar com vocês como se estivéssemos uns diante dos outros e vocês fossem conterrâneos deste início de século conturbado e tão carente de esperanças. No começo, pensei em escrever uma carta pessoal a Mateus, mas nenhum livro da Bíblia é de cunho somente individual. Além disso, embora desde os tempos mais antigos todos atribuam a Mateus a honra de ser o redator deste livro, nem ele assinou nem chama o texto de Evangelho (como Marcos inicia dizendo: "Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus"). Então, escrevo a vocês da comunidade, que participaram da experiência que gerou o texto de Mateus.
(...)
Ao contar a visita dos magos a Jesus Menino, vocês não pretendiam narrar um relato histórico ou um fato jornalístico. Quiseram significar o encontro de Jesus com os outros povos e culturas. Fizeram isso comentando textos bíblicos como Isaías 60, o salmo 72 e a profecia de Balaão (Nm 22-24). Vocês os comentam como os rabinos faziam, contando histórias (midrash), e nos presen­tearam esse relato tão bonito.
O poema do discípulo de Isaías (Is 60) e, talvez, mesmo o salmo vêm de uma época na qual Jerusalém estava sendo reconstruí­da. Os recursos eram poucos e, em comparação ao que era antes de ser destruída pelos babilônios, era uma aldeia. O profeta vê o sol nascer sobre a cidade e proclama a promessa de Deus de que, um dia, Jerusalém será luminosa e cheia de glória e os reis das nações a ela acorrerão trazendo presentes. Num contexto de sofrimento e de revalorização da identidade do povo pobre, aquela visão nada tinha de etnocentrismo. Era universalista. Aplicando essa profecia aos magos que vêm homenagear a criança pobre que nasceu em Belém, vocês a tornam mais universal ainda.
Embora não tenham dito que os magos eram reis e santos, como a tradição soube acrescentar, vocês contaram que eles gostavam das estrelas e vieram de longe, do oriente, atrás de uma estrela e em busca do Rei dos judeus que acabara de nascer neste mundo.
Com esse novo comentário narrativo de textos bíblicos (mídrash), desde o início do Evangelho, vocês associam as culturas e religiões diferentes à busca de Deus, ao reconhecimento de Jesus como "Rei dos Judeus" e ao acolhimento do Reino de Deus (ou dos céus, como vocês o chamam).
Na cultura judaica na qual a comunidade estava inserida, não deve ter sido fácil para vocês reconhecerem que até a astrologia e a interpretação dos sonhos podem conduzir pessoas como os magos ao Senhor. (Chouraqui chama os magos de "astrólogos''). Na região da Síria e da Ásia Menor era praticada a religião do deus Mitra. Era um sincretismo de antigos cultos ao sol. Os fiéis de Mitra contavam que o seu deus nasceu numa caverna na noite de 25 de dezembro (solstício do inverno e festa do sol que renasce do frio e da escuri­dão das noites cada vez mais longas). Aliás, por acaso, os sacerdotes de Mitra se chamavam "magos", porque eram homens que lidavam com os astros e com os mistérios da vida.
Será que, ao contar a bela história dos magos que vieram a Belém adorar o menino Jesus, vocês quiseram assumir algo da história de Mitra e transpô-la para o contexto cristão? Hoje, falamos muito de inculturação. Mas ainda há muitos bispos e pastores que têm preconceito contra sincretismo. Será que, nessa história, vocês da comunidade de Mateus queriam nos ensinar que há um tipo de sincretismo que é válido e compreensível?


Quem visitou Jesus primeiro? Os pastores ou os magos?


 

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Historicamente, não é possível determinar a questão.
O fato é que a comunidade de Mateus, que tem como intenção manifestar Jesus aos povos (epifania),  apresenta os magos estrangeiros visitando e acolhendo o messias na criança de Belém.  A comunidade de Lucas, no entanto, anunciando a boa-nova ao pobres, apresenta os pastores  como primeiros destinatários da notícia do nascimento do menino na manjedoura da gruta de Belém.
Na sequência, apresentamos um comentário a cada um dos dois textos. O texto de Mateus 2,1-12 será refletido por várias igrejas no próximo domingo, na chamada Festa da Epifania.
No primeiro texto, Marcelo Barros escreve um bela carta à comunidade de Mateus:
Irmãs e irmãos da comunidade de Mateus,
Ao contar a visita dos magos a Jesus Menino, vocês não pretendiam narrar um relato histórico ou um fato jornalístico. Quiseram significar o encontro de Jesus com os outros povos e culturas.
No segundo artigo, Carlos Mesters e  Mercedes Lopes afirmam que pastores representam gente pobre e discriminada:" Pessoas que vivem marginalizadas de tudo são as primeiras convidadas (2,8). Os pastores reconheceram Deus presente numa criança (2,20)"
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